Em 1994, três amigos recém-formados decidem criar um atelier. O que começou como uma banda de garagem, hoje tem mais de 50 colaboradores distribuídos por seis departamentos. Duarte Pinto-Coelho, Marcus Cerdeira, Miguel Martins Santos e Pedro Silva Lopes, falam-nos destes 29 anos de história do atelier e de que forma se pode crescer sem perder os valores de origem.
Como é que tudo começou?
Eu e o Miguel estávamos em universidades diferentes e, em conversas com outro amigo em comum, o Dinarte, que no início foi uma espécie de terceiro sócio, chegámos à conclusão de que queríamos fazer qualquer coisa. Mas, na verdade, não tínhamos nem formação, nem know-how para saber o que é que queríamos fazer. Foi um processo de aprendizagem, foi a primeira parte do nosso atelier: aprender a fazer arquitetura e tudo o que isso implicava, lidar com o cliente, com a obra… e este processo durou alguns anos. (Pedro Silva Lopes)
Eu já conhecia o Miguel e junto-me pouco depois. Ao início tínhamos pequenos projetos, do amigo do amigo, mas que começavam a ter algum grau de seriedade para nós, com prazos de entrega e algum compromisso. E sempre em simultâneo com o nosso trabalho noutros ateliers, eu na Sua Kay, o Pedro e o Miguel no Barreiros Ferreira, PMC, entre outros. E isto de trabalharmos os três em ateliers completamente distintos, fez com que este nosso atelier também servisse para nós partilharmos a nossa experiência e acrescentarmos conhecimento uns aos outros. Mais tarde, passámos para um espaço maior, partilhado com outros arquitetos. Os três tínhamos um percurso em comum no horizonte, não havia dúvidas, mas faltava chegar o momento certo para largar os outros atelieres e dedicar-nos a 100% a este nosso projeto, o Fragmentos. (Duarte Pinto-Coelho)
Faço muitas vezes a analogia à banda de garagem, mas é importante dizer que nunca estivemos sozinhos. Mesmo nestes momentos iniciais, em que éramos só os três, apostámos muito em fazer do nosso atelier um lugar aberto, numa dinâmica de tertúlias, quisemos realmente puxar esta ideia de discutir e pensar arquitetura e isto teve um grande peso para nós e foi decisivo na nossa evolução. A verdade é que aos poucos fomos crescendo e a certa altura percebemos que já não podíamos voltar atrás. Eu diria que a alavanca desse momento foi um projeto de reabilitação nos Açores. Um grande projeto para um grupo de amigos. Pouco depois ganhámos também dois concursos com grande responsabilidade e foi nesta altura em que o Marcus Cerdeira, que conheci nos Açores, se juntou a nós. (Miguel Martins Santos)
Podemos falar de três décadas e de momentos de charneira?
Sim, sem dúvida. No fim do dia, podemos contar a história do Fragmentos em três penadas: a banda de garagem, a crise e a transformação, e o salto para a consolidação e novos horizontes. O grande marco da primeira década foi sem dúvida o projeto nos Açores, a alavanca para nos dedicarmos ao Fragmentos. Este foi um projeto com uma componente social muito forte e que tornou bem claro que o trabalho que fazemos como arquitetos é para as pessoas. (Miguel Martins Santos)
Nessa primeira década, tivemos ainda outros três grandes marcos: o concurso da Universidade dos Açores, da ANA e as primeiras contratações. Termos ganho o concurso público da Universidade dos Açores reforçou esse vínculo à região onde fizemos o nosso primeiro grande projeto. Já o concurso da ANA foi um concurso por convite em que estávamos a competir com os grandes ateliers da altura... e ganhámos! Éramos os outsiders e investimos imensa energia nestes dois concursos. E em termos de recursos humanos, foi nesta altura que fizemos as primeiras contratações de arquitetos que, ainda hoje, nos acompanham. (Marcus Cerdeira)
Depois dessa primeira década, que foi, no fundo, uma década de aprendizagem, em que aprendemos a ser arquitetos, passamos para um segundo nível, uma nova era. Um dos acontecimentos que marcou muito o fim da primeira era e início da segunda foi a nossa mudança do Estoril para Lisboa. Esta passagem para a cidade trouxe também uma alteração na escala. Deixámos de olhar tanto para a moradia, para o apartamento, e começámos a pensar e desenhar o edifício. Não sei se foi uma causa-efeito, mas a verdade é que esta mudança de espaço significou mesmo uma mudança de paradigma. (Pedro Silva Lopes)
Dentro desta segunda década não podemos não destacar a crise de 2008. Estávamos neste momento de consolidação, de criar uma equipa, de explorar novas escalas mais desafiantes, quando de repente a crise se instala e somos obrigados a repensar a nossa posição. Lembramo-nos todos do terramoto que foi e do impacto que teve na procura dos serviços de arquitetura, com o encerramento de vários ateliers de dimensão semelhante ao nosso. Passámos aqui por um momento muito duro. A crise é um marco, mas é um marco também a forma como demos a volta. Lembro-me de reunirmos os nossos colaboradores na altura e termos sido muito francos: ou teríamos de despedir uma ou duas pessoas, ou baixaríamos o ordenado dos sócios 20% e o dos restantes 10%, e, no final do ano distribuiríamos o eventual lucro por todos. Todos vestiram a camisola e embarcaram nesta viagem connosco. (Miguel Martins Santos)
Acrescentar ainda sobre este momento que já eramos 12, entre sócios e arquitetos, coincidiu com esta chegada a Lisboa, em que estávamos instalados na Rua da Madalena entre 2006 a 2016. E foi um verdadeiro teste de fogo. Mas foi também um momento em que ganhámos consciência de que se o superássemos sairíamos mais fortes e que daí para a frente só poderia correr melhor. Nesta altura havia pouco trabalho de construção nova, mas havia alguma reabilitação, e foi interessante para nós porque nos permitiu uma especialização nesta área. Esta segunda década foi realmente de grandes desafios e de grande transformação. Uma das formas de reagirmos à adversidade foi apontar para a internacionalização e foi nesta altura que o Fragmentos teve uma aventura em Angola. (Marcus Cerdeira)
Angola foi um marco, as crises têm essa capacidade, são duras, mas são catalisadores. Tudo isto faz parte e foi o que nos permitiu realmente olharmos agora para esta terceira década, que é a que estamos a acabar, com um grande orgulho. Aqui nesta terceira década podemos falar ainda de outra mudança de atelier, para a Rua Camilo Castelo Branco, que é onde estamos ainda hoje – um espaço maior, que hoje já achamos pequeno. Esta foi a altura em que se falou pela primeira vez em estratégia, em comunicação, em querer ser conhecidos, alcançar notoriedade e de que forma. O marco aqui diria que foi o nosso evento dos 20 anos. Há claramente um antes e depois disso. Em termos de escala, notoriedade e tipo de cliente, que deixa de ser tanto o cliente final. (Pedro Silva Lopes)
Foi também nesta terceira década que surgiu o Fragmentos de Engenharia, um momento absolutamente crucial para o atelier e que hoje é inseparável do que é o Fragmentos. Esta ideia que partiu do João Paulo, que hoje é sócio, e com quem já trabalhávamos na altura, foi extremamente importante. Receber a Engenharia no processo criativo, permitiu-nos crescer de forma muito marcante e tornarmo-nos mais incisivos nos nossos resultados… (Marcus Cerdeira)
Crescer sem perder a essência é possível?
Na primeira década, esta ideia de crescimento não era nada óbvia. Nós gostamos tanto daquilo que fazemos que tínhamos até um certo receio de perder a identidade do atelier, do nosso traço, a partir do momento em que começássemos a ter de fazer algumas concessões. Mas diria que isto é típico de pequenos ateliers, de empresas jovens. É preciso haver uma escolha consciente, um abraçar consciente deste querer crescer para sermos capazes de relativizar e perceber que a nossa identidade, os nossos valores são algo muito maior e que é perfeitamente transmissível. É fundamental haver esse passo atrás, essa estruturação para saber antecipar e lidar com as dores de crescimento, que vão sempre existir. E chegamos quase aos 30 anos e é muito claro para nós que não perdemos nada, fomos sempre acrescentando. Por outro lado, uma coisa que eu acho muito interessante e vem da génese, muito desta ideia das tertúlias e de continuarmos a pensar e a discutir, fez com que nos habituássemos a ouvir sempre o outro e a valorizar a diferença e aquilo que nos acrescenta. Sempre foi muito fácil para nós que entrassem outras pessoas. Desde que tivessem três ou quatro características fundamentais, que ponham verdade naquilo que fazem, que sejam boas pessoas e que saibam ouvir o outro. Por isso é que foi tão fácil, por exemplo esta entrada do Marcus, que nem o Duarte nem o Pedro conheciam e que passados três ou quatro anos estávamos a convidá-lo para ser sócio. (Miguel Martins Santos)
Entretanto já são quase três décadas e olhando para trás foi, sem dúvida, uma evolução. É certo que no início não contámos com ela, não pensávamos em crescer, tínhamos o nosso sonho, o nosso projeto conjunto, mas faltava-nos a visão, ou melhor, a estruturação da visão para fazê-lo crescer. Eu hoje olho para trás e digo “ainda bem que aqui estamos” e o percurso não poderia ter sido de outra forma. Quando se pensam as coisas com intenção evitam-se perdas. A partir de uma certa escala o planeamento foi fundamental, assim que se instalou a vontade de querer crescer, apostámos fortemente nisto e apostámos com intenção. Estou profundamente certo de que todos os que se foram juntando a nós, e que se irão ainda juntar, só virão dar mais corpo e forma a este sonho de quatro amigos, este projeto de vida. (Duarte Pinto-Coelho)