A prática da arquitetura é feita de relações e a relação com o cliente é uma das mais importantes. Este conceito emprestado do Marketing pode ajudar-nos a olhar os nossos clientes de outra forma.
Neste terceiro artigo da série Doze temas, doze meses, Pedro Silva Lopes (sócio, arquiteto) e Fernando Flora (arquiteto associado) refletem acerca desta figura do cliente ideal e do desafio que é mantê-lo.
Existe um cliente ideal?
Eu acho que o cliente ideal não existe. A não ser que o pensemos de uma forma efémera, porque o cliente ideal de hoje não é exatamente o cliente ideal de amanhã. Nós próprios também vamos mudando com o tempo, o mundo muda com grande rapidez e nós adaptamo-nos a essas novas realidades da mesma forma que o cliente o faz. E, neste sentido, podemos dizer que o cliente ideal é alguém que respeita o arquiteto, que dá tempo ao arquiteto, que sabe o que quer e o que não quer e é alguém que não pensa só em si e no seu projeto, mas que acrescenta alguma coisa à natureza do projeto, da rua, da cidade, ou da comunidade. (Fernando Flora)
Eu também diria que o cliente ideal não existe, sobretudo numa definição do género: “o cliente ideal é aquele que faz o melhor projeto”. Nós temos uma postura no Fragmentos em que encaramos cada cliente como ideal e em que o nosso trabalho é fazer o melhor para eles. O exercício da Arquitetura acaba por ser um exercício um bocadinho egocêntrico, egoísta, mas o nosso propósito tem de passar pela felicidade do cliente. O nosso propósito tem de ser satisfazer os desejos do cliente mais que os nossos desígnios de arquiteto. Mas é claro que há clientes que nos desafiam mais. E isso é algo que nos faz crescer como arquitetos. É muito mais ideal um cliente que nos desafia. (Pedro Silva Lopes)
Como atrair clientes e, acima de tudo, como mantê-los?
Há dois tipos de clientes que são completamente distintos: clientes finais e clientes institucionais. O cliente final é aquele cliente que quer desenhar a sua casa, onde há uma relação de emotividade que não se consegue estancar na relação profissional e que a certa altura acaba por se tornar pessoal. Com o cliente institucional, a relação é mais profissional, menos emotiva, e o desafio é mais complexo de outra forma: são projetos de outra escala, com outros desafios. E, nesse sentido, este é o nosso cliente ideal, um cliente que nos obriga a sair da nossa zona de conforto. As coisas mais importantes são A. Gostarem do nosso trabalho e identificarem-se com ele e B. Confiarem no nosso trabalho. Claro que há uma atração à primeira vista, mas a questão aqui é a manutenção dessa relação e isso é válido até mais para o cliente institucional do que para o cliente final. Porque o cliente final vai fazer uma casa, duas no máximo, dificilmente irá fazer três, só se for louco, porque é algo que desgasta. Namorar este “cliente ideal” e manter a confiança, que demora muito tempo a construir e segundos a perder é um foco importantíssimo do nosso trabalho. (Pedro Silva Lopes)
Eu posso contradizer um pouco aquilo que eu disse no início: dizendo que o cliente ideal é aquele que fica meu cliente. É aquele que não era meu cliente, foi pela primeira vez e, de repente, procura-me para fazer outro projeto. E isso torna-o ideal, é sinal de que o meu trabalho e a interação com ele geraram uma relação e que essa relação tem capacidade de se manter. E isso acrescenta, tanto a mim, como ao projeto, como ao próprio cliente. Eu diria que manter um cliente, e, neste caso, um cliente ideal, é um desafio. Esta questão da amizade e da relação pessoal com o cliente não pode ser desvalorizada. Às vezes temos mesmo de ter um cuidado diário com o cliente e pensar nele, independentemente de ser final ou institucional, como pessoa e não como apenas como cliente. (Fernando Flora)