Quais são as valências (ou poderes) que desenvolvemos na prática da arquitetura e de que forma se manifestam no nosso dia-a-dia? No décimo artigo da série Doze meses, doze temas, Jorge Ferreira e Rita Costa mostram de que forma é que o “cérebro de arquiteto” molda a visão do mundo e ajuda a enfrentar alguns desafios do quotidiano.
Qual é o superpoder do arquiteto?
Não diria que temos propriamente superpoderes, mas acredito que criamos aptidões e desenvolvemos algumas valências únicas, que acabamos por transportar para a nossa vida. Uma delas, que eu acho que é fundamental, é a sensibilidade. Uma sensibilidade estética mas também uma sensibilidade interpessoal que advém da nossa relação com vários intervenientes ao longo do processo de desenvolvimento de um projeto. De um ponto de vista contemplativo, torna-se muito intrínseco. Já não conseguimos passar num espaço sem o olharmos de forma diferente, de uma forma muito mais criteriosa, muito mais detalhada. Estamos atentos às sensações que um espaço nos transmite através da cor, da luz, da materialidade. E isso vem da nossa profissão. Por outro lado, ganhamos a capacidade de trabalhar e resolver problemas e projetar soluções em equipa, abrangendo várias áreas para além da arquitetura. É uma profissão multidisciplinar que não engloba apenas a parte artística, mas a parte legal, urbanística, técnica e isso implica muita interação. Acredito que o arquiteto tem ainda um outro papel, que eu considero social. Nós fornecemos um serviço, não somos só artistas. O que nós desenvolvemos tem efetivamente de ser um serviço para as pessoas. Nós servimos as pessoas, criando aquilo que querem para elas, para a sua vida. E eu acho que isso é um poder. (Rita Costa)
Na linha da sensibilidade que a Rita referiu, acrescentaria a nossa super-atenção ao detalhe. Há sempre uma tendência para dedicar mais tempo a observar os espaços. Por exemplo, numa exposição, não olhamos apenas para os objetos em si, mas para tantos outros pormenores – como o espaço está iluminado, se tem luz artificial, se tem luz natural, como as peças estão dispostas – o nosso olhar está moldado para pensar nessas coisas. Observamos um espaço e conseguimos antever o que lá estava antes e prever as diferentes configurações que poderia ter. Isto é muito particular da nossa profissão. Para além disso, a nossa profissão obriga-nos a encontrar soluções criativas para problemas complexos, comunicar ideias de forma clara e eficaz, e a gerir – equipas, egos, expetativas – de forma a criar espaços estéticos, funcionais e que inspiram e melhoram a qualidade de vida daqueles que os utilizam. Saber equilibrar todos estes fatores pode ser visto como um superpoder! (Jorge Ferreira)
Em que circunstâncias é que esses superpoderes vos são úteis no dia-a-dia?
A nossa atenção ao detalhe, sentido estético e criatividade tornam-se intrínsecas à nossa personalidade e à forma como resolvemos problemas e encaramos os desafios da vida quotidiana. A criatividade não se expressa apenas na forma artística, expressa-se nas mais variadas maneiras, na resolução de problemas familiares, na forma como lidamos com as pessoas ou arrumamos uma estante. A sensibilidade social que referi e que vem muito do nosso trabalho em equipa, é fundamental no nosso dia-a-dia. Como disse, o nosso trabalho acaba por ser multidisciplinar. A arquitetura obriga-nos a ter de lidar com uma equipa vasta que não é só a nossa equipa de arquitetos. Há engenharias, há fornecedores, parte legal, que obriga a saber trabalhar em equipa e saber gerir várias opiniões, desejos, fazer cedências e orientá-los para um mesmo fim. Rapidamente percebemos que essas várias interações são fundamentais para que o projeto chegue a um bom porto e, inconscientemente ou não, acabamos por transportar este paradigma para a nossa vida. Ficamos, de facto, mais ricos neste sentido. Esta aprendizagem que é menos formal, não vem da universidade, mas da própria prática da profissão, é das mais importantes que levamos para a vida. (Rita Costa)
Na nossa profissão temos de aprimorar a comunicação, a comunicação é essencial. Pode ser surpreendente para alguns, mas acredito mesmo que é uma das maiores valências da nossa profissão! Na maior parte dos casos, o arquiteto não é uma figura isolada, trabalha em equipa, em rede e isso ensina-nos a ouvir o outro, a saber fazer cedências, a argumentar. Um poder que devemos desenvolver é o de saber ouvir o outro. Não sei se é um poder intrínseco à profissão, mas deveria ser. Acredito que a nossa profissão nos torna comunicadores mais ponderados e ajuda-nos muitas vezes a mostrar que do outro lado as ideias são válidas, mas que, pela nossa experiência, devíamos ir por outro caminho. Esta é uma valência que a minha profissão me dá e que me permite melhorar a vida dos outros. Ajudar a criar sonhos, para o cliente e também na nossa vida pessoal, para a nossa família e para as várias pessoas com que nos cruzamos. (Jorge Ferreira)