O Sublime Comporta Country Retreat & Spa, da autoria do arquiteto José Charrua, foi um projeto inaugural da forma de se fazer turismo na Comporta. Com preocupações sustentáveis, o empreendimento foi sendo desenvolvido aos poucos, em harmonia com a paisagem única de pinheiros, dunas e arrozais. Em 2019, há a intenção de criar um novo empreendimento com um conceito distinto, mas análogo, e o Fragmentos é convidado para desenvolver este novo Sublime, em parceria com o José Charrua. Era absolutamente fundamental para o cliente que se mantivessem as preocupações ambientais, que o programa se adaptasse e se enquadrasse no território e não o contrário, a natureza a preceder o desenho. Respeitando a morfologia, desenhou-se núcleo principal agrega os vários espaços comuns — restaurantes, bares, spa, piscinas ou campos desportivos — e marca o momento de chegada. Deste centro, partem percursos em sulipas de madeira que distribuem as unidades de alojamento ao longo do território. A linguagem arquitetónica traduz e interpreta a envolvente, os volumes adotam a forma de cabanas revestidas a madeira e vidro e com telhados de zinco. No interior, as villas são projetadas não apenas como espaços de descanso, mas como verdadeiros refúgios onde os habitantes podem reconectar-se consigo mesmos e com o meio ambiente. Dispersas entre elementos naturais, as villas criam uma leitura visual de impacto reduzido, fazendo prevalecer a paisagem sobre as áreas construídas. A integração dos volumes na paisagem e a preservação da identidade local é a linha orientadora de todo o projeto.
Estivemos à conversa com o cliente, Gonçalo Pessoa e com os arquitetos Fernando Flora (in-house) e José Charrua, que partilharam alguns detalhes deste projeto.
O Sublime Comporta Villas pode ser encarado como um prolongamento do icónico Comporta Country Retreat & Spa? Como é que se passa de um projeto para o outro?
O Sublime Comporta abriu portas em 2014, era um projeto bastante pequeno na altura: uma casa de campo com 12 quartos. Os primeiros anos correram bem, e, em 2016, decidimos dar um salto e o projeto foi requalificado como um hotel-apartamento. Passámos de 14 quartos para mais de quarenta, e, pouco depois, sessenta. Até que em 2019 o projeto estabilizou com um total de 23 quartos de inventario próprio e 22 casas e é aí que surge a oportunidade de crescer através da aquisição de um terreno que fica praticamente adjacente a este. Nesse segundo terreno estamos a implantar não apenas mais 43 unidades de alojamento, mas também um conjunto de outras valências que não tínhamos no Sublime I, nomeadamente um edifício para eventos. Não pretendemos dizer ao mundo que temos dois hotéis, o que vamos dizer é que o Sublime cresceu e acrescentámos um conjunto de valências. (Gonçalo Pessoa)
Sabemos que a Comporta foi, para o Gonçalo, amor à primeira vista. A paixão por este local com características paisagísticas e culturais tão específicas fez com que houvesse uma maior preocupação em respeitá-lo?
Sem dúvida. O bonito aqui, o magnífico, é a natureza. A natureza impera e foi muito claro para mim que a arquitetura teria de respeitar a natureza e teria de estar perfeitamente enquadrada nesta. Foi essa a premissa que lançámos, primeiramente ao José Alberto Charrua e depois ao Fragmentos, que seguisse essa linha de continuidade daquilo que já existia no Sublime I, em profundo respeito pela natureza. A arquitetura deve ter o chamado sense of place, e deve também respeitar a tradição da Comporta que, apesar de escassa, tem muito a ver com as cabanas, com o formato que todas as pessoas têm no seu imaginário quando veem algo que é icónico da Comporta. (Gonçalo Pessoa)
Autor do projeto para o primeiro Sublime, sente-se de certa forma guardião de um conceito?
Não me sinto o dono do conceito, o conceito foi algo que foi criado por uma equipa, e inicialmente a equipa era composta por mim e pelo Gonçalo. Na sequência do que o Gonçalo disse, acerca do respeito pela paisagem e pela tradição da Comporta, acrescento que o conceito surge exatamente desta nossa vontade de fazermos “à Comporta” mas de uma forma um bocadinho diferente. Efetivamente que aquilo que nós pretendemos, ao estarmos a fazer um segundo projeto baseado no primeiro, é manter alguma coerência e obviamente manter o conceito. Porém, não me sinto dono ou guardião, o meu objetivo foi sim manter a coerência do conjunto, da totalidade. (José Charrua)
A linguagem arquitetónica traduz e interpreta a envolvente e os volumes adotam a forma de cabanas. Fale-nos um pouco do desenho destes elementos e da sua integração.
Quisemos sobretudo respeitar o que já tinha sido feito e transportá-lo para um novo lugar. Para isso, partimos de dois grandes pressupostos – a continuidade da cabana, como reflexo da arquitetura vernacular da Comporta e a dispersão das villas no terreno, dando privacidade a cada uma delas e minimizando o impacto do conjunto na paisagem. No fundo, o que estamos a fazer aqui não é contar uma história nova mas sim continuar uma história e criar espaços onde o cliente final se sinta bem, em tranquilidade, no seu pequeno espaço de paz. A arquitetura é feita para servir. Há um pouco a perceção de que os arquitetos são puros artistas, divas, até, e é claro que o nosso trabalho envolve um lado artístico mas envolve também uma componente muito técnica - nos somos técnicos, nós servimos pessoas, e desenhamos com estas pessoas em vista. (Fernando Flora)
A linguagem arquitetónica e a materialidade são transportadas de um lado para o outro. A forma é a da cabana mas não quisemos ir pelo caminho do mimetismo rigoroso da cabana da Comporta, quisemos fazer uma coisa à parte disso mas que ainda assim conservasse esta verdade. Mesmo ao nível da materialidade, optámos sempre pelos materiais puros, verdadeiros – a madeira, é madeira à vista, o metal, é metal à vista, e, no caso das situações em que usamos pintura, a ideia foi sempre que, do ponto de vista cromático, estes conjuntos edificados ficassem camuflados na natureza. Há momentos em que não conseguimos ver as construções, estão perfeitamente integradas, e é nesses momentos que temos a certeza de que o conceito foi bem concretizado. (José Charrua)
O Fragmentos tem desenvolvido vários projetos na Comporta ao longo dos últimos anos. Cada projeto é sempre um desafio, quais têm sido os principais desafios deste projeto?
É um desafio grande! Acredito que começar seja um desafio muito grande, mas continuar um projeto bem sucedido como este é desafiante para qualquer equipa. Sem dúvida que a parceria com o José e com o cliente foi essencial. Houve, desde logo, para além da empatia, um respeito muito grande por aquilo que já tinha sido feito. Importa dizer que os dados do exercício também ajudam muito o arquiteto e aqui tivemos sorte com estes dados. O terreno ajuda, a topografia, a orientação e o próprio programa. O programa do Sublime Comporta Villas é um programa extenso, complexo. O grande desafio passa por saber incorporar esta complexidade de forma a criar um ambiente de calma e tranquilidade, como aquele que sentimos no Sublime I. (Fernando Flora)