Parceiros fundamentais, nem sempre estão alinhados no melhor caminho para o mesmo fim. Melhorar esta relação é melhorar a qualidade dos projetos. Mas como? Neste segundo artigo da série Doze meses, doze temas, João Paulo Branco (sócio, engenheiro) e Isabel Pereira (arquiteta associada) evocam esta briga de irmãos e algumas estratégias para fortalecer o processo colaborativo.
Engenheiros e Arquitetos, amigos ou rivais?
Diria que há uma causa natural para isto. É um assunto que existiu muito vincadamente no passado, creio que hoje já não é tanto assim, mas é um pouco aquilo que acontece por sermos pessoas que trabalham na mesma área com atitudes diferentes perante o projeto. Parece-me a mim que os arquitetos, que vendem os sonhos aos clientes, olham para o lado estético e criativo das coisas e nós olhamos para o lado funcional, objetivo. Por isso é natural que não sejamos sempre capazes de concordar logo à primeira. (João Paulo Branco)
Conceito e técnica nem sempre são aliados, nada é impossível, mas há um caminho para lá chegar com avanços e recuos, e, por vezes, as necessidades de adaptação das condições técnicas aos requisitos do cliente levam a adaptações de projeto. O engenheiro pela sua condição mais técnica tem o foco na organização e tempo, e o arquiteto muitas vezes não olha para além da concretização do conceito. Esta postura era muito vincada no passado, hoje já não sinto isso. Em respota a “amigos ou rivais” diria parceiros. Acho que a palavra hoje é parceiros. Cada vez mais, e isso mudou ao longo dos tempos, o arquiteto reconhece a posição do engenheiro e o engenheiro reconhece a posição do arquiteto. Há uma diminuição desse fosso, uma aproximação, que é o fundamental para que se consigam projetos muito melhores. (Isabel Pereira)
De que forma é que esta relação foi evoluindo ao longo dos anos?
Olharmos para o projeto de forma diferente não é necessariamente mau, é algo que tem de acontecer. No início da minha vida profissional enquanto projetista acontecia uma coisa que hoje é absolutamente inaceitável. Eu recebia os projetos depois de os projetos de arquitetura estarem aprovados na câmara. Nós engenheiros chegávamos, olhávamos e com aquilo que recebíamos, trabalhávamos. O que obrigatoriamente iria introduzir alterações àquilo que os arquitetos tinham concebido. E é aí nesse contexto que surge uma rivalidade: o arquiteto já tinha vendido um projeto a um cliente e nós, por razões várias, tínhamos de pedir alterações. Nos nitidamente já mudámos este paradigma e atualmente entramos muitas vezes no momento zero dos processos, de forma a que o que pedimos não são alterações mas sim recomendações e sugestões para o projeto. No fundo, nos antes íamos a contrapé e, hoje, vamos em conjunto. (João Paulo Branco)
No fundo eles começam a ser chatos mais cedo (risos). Essa figura do chato que entra e vem alterar o nosso projeto entra mais cedo. E nós também já estamos mais preparados e mais formados para alguns dos erros que antes cometíamos. Para nós, arquitetos, já existem pilares e coretes desde o dia zero, isto não acontecia antes. Acho que o engenheiro também já entra de uma forma diferente, a defender o projeto, já faz mais parte do conceito do projeto. No fundo, já faz mais parte do sonho. (Isabel Pereira)
Como é que podemos fortalecer esta relação e, por consequência, os nossos projetos?
A tecnologia vai levar-nos para uma relação ainda mais estreita entre arquitetura e engenharia. Os próprios softwares que usamos hoje em dia já nos atiram para uma coordenação e para uma cooperação mais eficaz. Os arquitetos são cada vez mais engenheiros e os engenheiros são cada vez mais arquitetos. O futuro é sem dúvida de mãos dadas e cada vez mais cedo. É fundamental garantir que esta parceria seja o mais precoce possível, com engenheiros presentes nas primeiras reuniões com o cliente. Aliás, o futuro não é a dois – engenheiros e arquitetos – mas é a três. Engenheiros, arquitetos e cliente. E só conseguimos construir grandes projetos se assim for. (Isabel Pereira)
À tríade engenheiro, arquiteto, cliente eu juntava mais um elemento, que é o construtor. Também um elemento fundamental neste contexto e absolutamente decisivo. Em relação ao fortalecimento e redução do fosso entre as áreas, acredito que passe muito por sermos capazes de nos pormos no lugar do outro, como é óbvio, mas passa também por percebermos seriamente o trabalho do outro. Haver uma partilha de conhecimento intensiva. O futuro tem de ser encarado de mãos dadas, eu vou dar um exemplo do Fragmentos, porque acho que é elucidativo: nós sentimos que esta clivagem podia ser melhorada e criámos um conjunto de formações com o objetivo de por os arquitetos a par de um conjunto de conceitos técnicos que deveriam incorporar nos projetos. E o impacto foi muito positivo. (João Paulo Branco)